Diante da possibilidade de
queda do presidente Michel Temer e da profunda perda de credibilidade do
sistema político, o governador do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB), defende que a
melhor solução para a crise é uma saída negociada pelos ex-presidentes Fernando
Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva, as "duas únicas lideranças
nacionais", na sua avaliação.
Ambos já articulariam nos
bastidores a sucessão de Temer, mas não há informação de que tenham tido
conversas diretas. A forte polarização eleitoral entre PT e PSDB parece um
empecilho para um acordo, já que os dois partidos tentam sair dessa crise
fortalecidos de alguma forma para a eleição de 2018.
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"O único caminho que
enxergo para a política é um acordo PT-PSDB, Lula e Fernando Henrique numa
mesa. Neste momento de muita precarização da política, uma conversa direta
seria um fato altamente positivo, uma mensagem importante de busca de
recomposição da institucionalidade", acredita Dino.
Defensor da realização de
eleições diretas antecipadas, o governador vê como cenário mais provável hoje a
queda de Temer, seguida de eleição indireta do novo presidente pelo Congresso.
Se isso ocorrer, Dino sugere
que a esquerda participe da eleição indireta, negociando a suspensão das
reformas trabalhista e previdenciária até a eleição de 2018, para que as urnas
decidam se apoiam essas propostas.
"Só haverá eleição
direta havendo mobilização popular nessa direção. A classe social dominante não
quer eleição direta agora", afirma.
Confira os principais
trechos da entrevista com Dino, que antes de assumir o governo do Maranhão, foi
também deputado federal e magistrado, tendo presidido a Associação dos Juízes
Federais do Brasil.
BBC Brasil - A base aliada
de Temer se mantém razoavelmente unida. Na sua visão, estão apenas ganhando
tempo enquanto negociam uma saída, ou o senhor vê chance de o presidente
concluir seu mandato?
Flávio Dino - Há
muita movimentação de bastidores em busca de uma alternativa. O problema é que
há muita indefinição porque os fatos políticos estão sendo produzidos de fora
para dentro do sistema político (pelas investigações). O pessoal diz assim:
'ah, o candidato na linha indireta pode ser a, b ou c'. Mas sempre tem um ponto
de interrogação: 'será que esse resiste, que esse outro resiste?'. Se não
aparecer essa alternativa, aí reside o 5% de chance que ele tem de ficar.
O ideal para todo mundo do
sistema político é que a solução se dê via TSE (Tribunal Superior Eleitoral,
pela eventual cassação da chapa eleita em 2014, formada por Dilma Rousseff e
Temer, em julgamento marcado para início de junho). Isso dá uns quinze dias
mais ou menos até o julgamento, o que também contribui para essa inércia (de
Temer ainda permanecer presidente).
BBC Brasil - Mas há risco de
a saída do TSE ser lenta, já que cabem recursos?
Dino - Isso
juridicamente, mas, politicamente, hoje ele já está por um fio. O TSE pode
cortar esse fio, e aí não tem como resistir mesmo que processualmente tenha
esse ou aquele recurso.
BBC Brasil - Se isso
acontecer, há a discussão de o que vem depois, se seria uma eleição direta ou
indireta. No caso da cassação via TSE, há uma ação no Supremo que poderia levar
a eleição direta, certo?
Dino - É,
há um debate jurídico que seria não pela PEC (proposta de emenda
constitucional) do deputado Miro Teixeira, mas pelo próprio TSE de considerar
que, no caso de anulação do mandato, deveria haver eleição direta. É uma tese
jurídica boa, sustentável tecnicamente falando.
Agora, sinceramente, só
haverá eleição direta havendo mobilização popular nessa direção. E esse é um
ponto de interrogação muito mais do que qualquer juridiquês. Se não houver
mobilização popular, é muito difícil o Congresso ou o TSE ir para esse caminho,
porque se choca com o desejo meio que universal da classe política, da elite,
de um certo nível de estabilidade. A classe social dominante não quer eleição
direta agora.
BBC Brasil - A manifestação
de quarta-feira em Brasília não pareceu tão grande a ponto de reverter esse consenso
de elite que o senhor aponta, concorda?
Dino - Eu
achei uma manifestação importante. Eu concordo que ela em si mesma não tem essa
força de reverter a hegemonia dominante, agora temos que ver a continuidade ou
não (dessa mobilização).
Acho que o efeito principal
foi ampliar o isolamento do Temer, o fragilizou, sobretudo pela medida
equivocada (já revogada) de convocar o Exército. Quando você vai para o
extremo, é lógico que você constrói isolamento, até pelo modo como foi
anunciado, muito atabalhoado, dizendo que foi pedido pelo Rodrigo Maia
(presidente da Câmara), mas não foi.
BBC Brasil - A manifestação
foi marcada por muita violência. Houve erros dos dois lados?
Dino - Acho
que a responsabilidade principal foi dessa concepção muito cerceadora do exercício
de liberdade de manifestação. Isso ficou mais evidente quando veio esse decreto
desastroso, desnecessário e ilegal da convocação do Exército. É claro que
depredar o patrimônio público é errado, quero deixar clara minha condenação a
isso também. Mas o debate é o que gera (a violência)? O que gera é essa visão
muito repressiva.
Vou dar um exemplo prático:
as manifestações sempre foram na frente do gramado do Congresso. Tanto que
aquele espelho d'água foi construído (em 1999) justamente para ser uma divisão
entre o gramado e o prédio. Agora criaram essa moda de que não pode chegar no
gramado, sem nenhuma razão. E aí você cria uma tensão, 'daqui ninguém passa'.
Pode pegar todas as fotos da história brasileira, protestos pela emenda Dante
de Oliveira (em 1984 para convocar eleições), na Ditadura, tinha manifestação
ali e agora não pode mais. Então, você cria uma série de protocolos, digamos,
excessivos, cerceadores, que estimulam a tensão.
Se não houver uma
providência política num prazo curto, a tendência é que a gente viva esse
ambiente, com o suposto andamento das tais reformas, que vão acabar conduzindo
a cada vez mais conflito.
BBC Brasil - Por que o
senhor defende as eleições diretas?
Dino - É
quase que uma saída tipicamente parlamentarista. No parlamentarismo você tem
duas crises. Uma, que é apenas de governo, você resolve com um novo gabinete.
Já quando você tem uma crise mais sistêmica, o que o chefe de Estado faz? Ele
convoca novas eleições. A gente está numa crise bem mais aguda do que uma mera
crise operacional. Então, por simetria com o que acontece no parlamentarismo, o
remédio seriam de fato novas eleições, um banho de urna.
Eu pessoalmente, acho que se
fosse esse o pacto, uma repactuação da política, deveria haver eleições gerais,
de fio a pavio, pegar o Congresso, governadores, etc. Mas faço sempre questão
de frisar, para não correr o risco de o leitor achar que minha abordagem é
ingênua, estou apenas colocando o que eu acho que seria o certo. Hoje, não é o
mais provável.
O mais provável é o consenso
da elite que é trocar o Temer por outro que faça as reformas previdenciária e
trabalhista.
BBC Brasil - Para algumas
pessoas, uma eleição direta agora seria pegar um atalho fora da Constituição e
enveredar para um caminho de instabilidade, abrindo espaço para eleição de um
aventureiro. Como o senhor vê esses argumentos?
Dino - Em
primeiro lugar, você sempre deve comparar os argumentos com a realidade. Nada é
mais instável do que temos hoje. Segundo, falar em regra do jogo a esta altura?
Fizeram um impeachment absurdo para colocar um governo que não se sustenta, que
só fez aprofundar a crise. Esse discurso não tem base empírica.
No caso desse mecanismo das
indiretas previsto pela Constituição para situação de dupla vacância (dos
cargos de presidente e vice), o sistema funcionaria bem, ao meu ver, se fosse
em situações normais de temperatura e pressão. Não é o caso, hoje você vive na
verdade solavancos derivados da quebra da ordem constitucional (pelo
impeachment de Dilma).
Acho que democrata
verdadeiro concorda que a única coisa que estabiliza a política na democracia é
o respeito à soberania popular.
BBC Brasil - O senhor tem
defendido que Lula seja candidato em 2018. Se houver a eleição direta
antecipada, considera que ele seria o melhor candidato da esquerda?
Dino - Sem
dúvida. De todas as grande lideranças nacionais, é quem tem maior legitimidade
para tentar reconduzir uma repactuação do país. Lula não é bom só para a
esquerda, é bom para todo mundo que acredita na democracia política.
Ele pode, ao fazer um
governo de diálogo como fez no passado, conduzir um caminho que não seja de
confrontação, que ao meu ver foi o grande erro do Michel (Temer). O Michel veio
adotar uma agenda de mais confronto e, portanto, de mais isolamento social.
Qual é o problema dele? As
denúncias, a gravação, claro, e ter só 4% de aprovação. Você já pega um país
dividido, polarizado, e vai para um caminho de venezualização, de
radicalização. Deu no que deu.
BBC Brasil - Mas fica uma
dúvida justamente sobre essa possibilidade de Lula ser uma pessoa capaz de
repactuar, porque ele também tem adotado um discurso mais radical e desperta
forte rejeição em parte da sociedade.
Dino - Parte
minoritária (da população o rejeita). Você tem que distinguir o sentimento da
população do que é sentimento das elites política e econômica.
BBC Brasil - Lula aparece
liderando as pesquisas de intenção de voto, mas com altas taxas de rejeição.
Dino - É,
mas em queda, numa conjuntura de muita polarização, apanhando muito. Em
condições normais, essa rejeição cai. O único caminho que enxergo para a
política é um acordo PT-PSDB, Lula e Fernando Henrique numa mesa. Eu já falei
isso vinte vezes. De lá para cá, as coisas só pioraram. Efetivamente, com todos
os seus defeitos, são os dois únicos líderes nacionais que sobraram, com
autoridade política para chamar todo mundo, para reunir.
Não vejo como a política,
tão debilitada hoje, gerar novas opções. Nas urnas, claro que eu, uma pessoa de
esquerda, prefiro o Lula, até porque Fernando Henrique não parece disposto a
disputar uma eleição direta. Não sendo o Lula, você só consegue enxergar
alternativas externas à política, que são esses aventureiros tipo Doria
(prefeito de São Paulo) e outros, que vão colocar o país num rumo de
imprevisibilidade.
BBC Brasil - Mas no início
da entrevista o senhor falou sobre como os acontecimentos desestabilizadores
têm vindo de fora para dentro da política e sobre o risco de um novo presidente
continuar sendo bombardeado por denúncias. Lula parece estar nessa posição.
Dino - Acho
que, com respaldo popular, numa eleição direta, ele adquire musculatura e tempo
suficientes para vencer isso. Não é uma análise apaixonada, porque de fato eu
não sou lulista e historicamente o Lula nunca me apoiou na vida. Aliás, aqui no
Maranhão, sempre foi contra mim (e aliado com o grupo adversário, do
ex-presidente José Sarney).
Em uma análise objetiva,
hoje, juridicamente, o que tem contra o Lula até agora é de uma fragilidade
técnica abissal. 'Ah, o apartamento era dele, o sítio não era bem dele, mas era
para ser, a reforma tinha a ver com contrato da Petrobras'. Não tem uma conta,
não tem um diálogo, não tem uma gravação, não tem um dinheiro, não tem nada que
justifique uma condenação criminal.
Parto dessa premissa de que,
uma vez eleito por voto popular em eleição direta e com apoio da sociedade,
quebrando um pouco esse clima de sectarismo, processualmente as coisas
caminhariam mais racionalmente.
BBC Brasil - Mas vê o risco
de Sergio Moro condená-lo?
Dino - Infelizmente
vejo, por esse ambiente geral criado em torno dessas acusações.
BBC Brasil - E isso poderia
impedir a candidatura do Lula, ou talvez não houvesse tempo de haver a
condenação em segunda instância também no caso de uma eleição antecipada?
Dino - Em
condições normais não haveria tempo nem em 2018, mas a gente não vive condições
normais. De fato a Justiça se politizou, se partidarizou muito, me refiro ao
sistema de Justiça como um todo, abrangendo polícia, Ministério Público. Então,
é muito difícil fazer análise política sem levar em conta esse ingrediente.
BBC Brasil - Notícias da
imprensa já apontam que Fernando Henrique e Lula estão articulando para a
sucessão de Temer, mas não teriam conversado diretamente entre si. Essa
conversa direta seria importante?
Dino - Sim.
Pelo que eu estou sabendo, é uma conversa entre interlocutores. Neste momento
de muita precarização da política, uma conversa direta seria um fato altamente
positivo, uma mensagem importante de busca de recomposição da
institucionalidade. Você não tem jogo institucional no Brasil hoje: o Congresso
funciona precariamente, a Presidência da República, os partidos, os próprios
governadores estão muitos enfraquecidos.
BBC Brasil - Mas a disputa
eleitoral entre os dois partidos parece um empecilho a isso. Perguntei ao vice-presidente
do PSDB, Alberto Goldman, e ele disse que essa conversa entre Fernando Henrique
e Lula não seria possível porque, na visão dele, o PT só está interessado em
desgastar o governo para se fortalecer para 2018. Como você vê esse empecilho?
Dino - Esse
empecilho é fruto de uma visão equivocada segundo a qual alguém se salva em
meio à tragédia geral. Quando na verdade, você tem que salvar o sistema
político, sua credibilidade, autoridade, para aí recuperar sua
operacionalidade.
BBC Brasil - Numa eleição
indireta, qual seria a estratégia da esquerda?
Dino - Nós
da esquerda devemos colocar dois pontos sobre a mesa. Primeiro, normalidade
política até a eleição, em 2018 - acertar o calendário eleitoral e as regras de
2018. E, segundo, haver a suspensão das reformas trabalhista e previdenciária,
até que o povo decida.
Vocês (referindo-se a
partidos da base de Temer) defendem as reformas, ok, mas esse programa não foi
votado pelo povo. Então a gente consulta (o povo), vocês vão para a urna e
defendem. Se ganharem, vocês fazem.
A esquerda deveria
participar da eleição no Congresso com essas condições, sem isso não faz
sentido participar e legitimar esse negócio.
BBC Brasil - Que nomes
poderiam emergir de um acordo desse, na hipótese de o outro lado topar esse
acordo?
Dino - Claro
que tenho minhas preferências, mas não posso me manifestar agora, até por
questão de orientação partidária. Mas eu acho que tem aí uns três ou quatro
nomes que topariam.
BBC Brasil - Mas o senhor vê
a base do governo disposta a entrar num acordo desses? Parece que eles querem
aprovar as reformas, não?
Dino - O
plano A da direita continua sendo fazer eleição indireta e empurrar as reformas
para a frente. Só que daqui a pouco os parlamentares não topam mais, porque vai
ficando cada vez mais próximo da eleição de 2018 e essas reformas são muito
impopulares. Então, acho que há uma chance (de acordo).
BBC Brasil - Ainda está
muito incerto como seria uma eleição indireta. Qualquer um poderia ser
candidato, mesmo sem ter filiação partidária?
Dino - Teria
que votar uma lei (com as regras do pleito indireto), porque o Supremo, na
ausência da lei sobre eleição indireta, tem entendido que se aplica o regime
geral das eleições diretas, ou seja, precisa haver desincompatibilização (de
cargos do Executivo, Judiciário e Ministério Público, seis meses antes),
filiação partidária, etc. O Supremo já decidiu isso duas vezes em casos de
eleições indiretas para governos estaduais.
De forma que o único caminho
jurídico de viabilizar candidaturas de fora do sistema político, por exemplo
alguém do Judiciário, seria votar uma lei no Congresso fixando os requisitos.
Aí você poderia flexibilizar para, por exemplo, permitir candidatos com
filiação partidária 48 horas antes (do pleito), que é uma ideia que circula.
Tem gente até já escrevendo esse projeto de lei. Tem muita conversa em curso.
Agora, o Congresso só se
anima a votar a lei para uma pessoa de fora concorrer se ficar claro que nenhum
congressista tem condições.
BBC Brasil - O senhor fez
aliança com o PSDB na eleição de 2014 para o governo do Maranhão e teve apoio
do então candidato à presidência Aécio Neves. Como recebeu essas denúncias
envolvendo Aécio?
Dino - De
fato nós temos o apoio do PSDB aqui no Estado e eu lamento muito que o Aécio
tenha sido atingido por uma denúncia extremamente grave. Reconheço que a
situação dele é muito frágil, pois as denúncias contra ele são muito
eloquentes, comprovadas.
Mas isso não a ponto do PSDB
ser exterminado. (A legenda) tem outras lideranças e vai continuar sendo um
partido importante no Brasil.
BBC Brasil - Lamenta em que
sentido?
Dino - Lamento
porque ele é senador, foi governador duas vezes, foi candidato à Presidência da
República, é um quadro representativo de um segmento político que foi
inviabilizado, ao meu ver, com essa denúncia. Num quadro de dissolução da
política, qualquer grande liderança de qualquer espectro político que é
atingida acaba sendo uma fato ruim para relegitimar a política.
Ese é meu ponto central: é
imprescindível você reconstruir a instância política, a funcionalidade, a
legitimidade. E isso só se faz, inclusive, a partir da dualidade
esquerda/direita. A política precisa dessa dualidade. Ela não nega a política,
o que nega a política é achar que (se) governa o país sem instituições
políticas fortes.
Esse é o principal
subproduto negativo dessas operações contra a corrupção, é desenvolver na
maioria da sociedade essa ideia de que a política é nociva ao país.